MEIA LUZ (1944)
“Gaslight”, que
George Cukor dirigiu em 1944, numa
produção norte-americana, é uma nova versão de um filme inglês de 1940,
dirigido por Thorold Dickinson, baseado na peça teatral “Gas Light”, de Patrick
Hamilton (1938), e interpretada por Anton Walbrook e Diana Wynyard nos
principais papeis. A peça tinha sido um grande sucesso na Broadway, com o
título “Angel Street”, e foi sob essa designação que ficou conhecido igualmente
o filme nos EUA. Mesmo em Inglaterra, tivera um título alternativo, “A Strange
Case of Murder”. Quem conhece a peça de origem e ambos os filmes afirma que a
versão de 40 é mais fiel à obra teatral do que a de 44. Mas a história, no
essencial, permanece a mesma. Vejamos a versão de 40: Alice Barlow (Marie
Wright) é assassinada na sua casa por um desconhecido, que vasculha a residência em busca de algo
que se sabe depois serem umas valiosas pedras preciosas. O crime fica sem resolução
durante anos e a casa abandonada. Até que um dia, a sobrinha de Alice, Bella
(Diana Wynyard) regressa casada com Paul (Anton Walbrook) que lentamente a vai
tentando enlouquecer, através de vários expedientes, mas sobretudo fazendo-lhe
crer que está a perder a memória e o discernimento. Será um detective, B. G.
Rough (Frank Pettingell), que começa a suspeitar de Paul e o liga ao crime de
Alice Barlow. A referência a “Gas Light” advém do facto de Londres viver ainda
numa época de candeeiros a gaz. Em casa de Bella, sempre que Paul sai à noite,
com a explicação de que vai trabalhar num outro local, a luz da casa se
atenuar, o que só pode ter uma explicação (que aqui se não dá, para não retirar
suspense ao drama).
Em Inglaterra,
peça e filme foram grandes sucessos. Na Broadway, o espectáculo também correu muito bem, o que levou os responsáveis
da MGM a pensarem numa nova versão, norte-americana, com um novo elenco.
Compraram os direitos à produtora britânica e , no contrato, exigiam que as
cópias e negativos da anterior versão fossem destruídos. Afortunadamente, houve
responsáveis que ultrapassaram o contrato e conservaram o negativo.
A nova versão
conta com Charles Boyer, Ingrid Bergman, e Joseph Cotten, nos protagonistas, e
ainda com as presenças da veterana Dame May Whitty e da estreante (dezoito
anos!) Angela Lansbury, ambas magnificas em papeis muito distintos. A adaptação
esteve a cargo de John Van
Druten, Walter Reisch e John L. Balderston, sempre segundo a peça de Patrick
Hamilton, e tudo seria perfeito, não fosse a presença de Charles Boyer, um
verdeiro canastrão que não consegue fazer esquecer o talento da restante
equipa, mas põe seriamente em causa a sanidade de quem o escolheu para o papel.
Valha-nos Ingrid Bergman que compõe uma admirável personagem, conquistando com
este trabalho o seu primeiro Oscar. O filme estaria nomeado ainda em 1945 para
outros Oscars, como Melhor Filme, Melhor Actor (Charles Boyer, imagine-se!),
Melhor Actriz Secundária (Angela Lansbury), Melhor Argumento Adaptado, Melhor
Fotografia (a preto e banco) (Joseph Ruttenberg), e ainda Melhor Direcção
Artística (a preto e branco) (Cedric Gibbons, William Ferrari, Edwin B. Willis
e Paul Huldschinsky), esta última nomeação também se transformaria em Oscar.
Mas deve dizer-se que à música de Bronisław Kaper não teria ficado mal uma
nomeação.
Com um orçamento
de 2.068.000 dólares e uma receita que mais do que duplicou o empate de capital
(4. 613. 000 dólares), “Gaslight” foi um sucesso muito merecido, sendo mais um
belíssimo trabalho de George Cukor como director de actrizes. Mas, em paralelo
a este aspecto, um outro se agiganta: o papel da casa como elemento
claustrofóbico, como prisão psicológica, teia de aranha armada por uma figura
sinistra que lentamente vai fechando a sua vítima nessa armadilha imposta (e
aceite sem grande rebeldia por quem nela cai). Estamos numa Inglaterra
vitoriana, o papel da mulher é subalterno, a sua decisão quase nula, aceitando
submeter-se às imposições do marido. “Gaslight” pertence a um curioso conjunto
de obras desse período, que irão, de certa forma, contribuir para a definição
do “filme negro”. O papel do homem é igualmente muito curioso, se compararmos
vários títulos desses anos. Filmes de Alfred Hitchcock, “Rebecca” (1940),
“Suspicion” (1941), “Shadow of a Doubt” (1943), a que se juntam este “Gaslight”
e “Jane Eyre”, de Robert Stevenson (ambos de 1944), “Dragonwyck”, de Joseph L.
Mankiewicz (1945), “Notorious”, outra vez de Hitch, e “The Spiral Staircase”,
de Robert Siodmak (ambos de 1946), “The Two Mrs. Carrolls”, de Peter Godfrey (1947), ou “Sorry, Wrong Number”, de
Anatole Litvak, e “Sleep, My Love”, de Douglas Sirk (ambos de 1948) são
excelentes exemplos de um quase subgénero a que alguns críticos (entre eles
Emanuel Levy) chamaram já “Don't Trust Your Husband” (não confies no teu marido),
dado que quase todas estas obras mulheres ricas e poderosas se vêem
atormentadas por maquiavélicas personagens masculinas, maridos, namorados,
amantes, que as procuram espoliar para o que não hesitam em caminhar para o
assassinato.
Última curiosidade: “Gaslight” foi
adaptado a radio novela, em 1946, no “Lux Radio Theater”, contando com a
interpretação dos actores do filme, Charles Boyer e Ingrid Bergman, e, no ano
seguinte, no “The Screen Guild Theater”, com Charles Boyer e Susan Hayward.
MEIA LUZ
Título original: Gaslight
Realização: George Cukor
(EUA, 1944); Argumento: John Van Druten, Walter Reisch, John L. Balderston,
segundo peça de teatro de Patrick Hamilton ("Angel Street");
Produção: Arthur Hornblow Jr.; Música: Bronislau Kaper; Fotografia (p/b):
Joseph; Montagem: Ralph E. Winters; Direcção artística: Cedric Gibbons;
Decoração: Edwin B. Willis; Guarda-roupa: Irene; Maquilhagem: Jack Dawn, Irma
Kusely; Direcção de Produção: Eddie Woehler; Assistentes de realização: Jack
Greenwood; Departamento de arte: William
Ferrari, Paul Huldschinsky; Som: Douglas Shearer, Joe Edmondso; Efeitos
especiais: Warren Newcombe; Companhia de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Intérpretes: Charles Boyer (Gregory
Anton), Ingrid Bergman (Paula Alquist), Joseph Cotten (Brian Cameron), Dame May
Whitty (Miss Thwaites), Angela Lansbury (Nancy), Barbara Everest (Elizabeth),
Emil Rameau (Maestro Guardi), Edmund Breon, Halliwell Hobbes, Tom Stevenson,
Heather Thatcher, Lawrence Grossmith, Jakob Gimpel, Harry Adams, Lassie Lou
Ahern, John Ardizoni, Frank Baker, Lillian Bronson, Leonard Carey, Alec Craig,
Roger Gray, Jack Kirk, Pat Malone, Eric Wilton, Eustace Wyatt, Phyllis Yuse,
Guy Zanette, etc. Duração: 114
minutos; Distribuição em Portugal: MGM (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos;
Data de estreia em Portugal: 26 de Março de 1946.
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