QUANDO
A CIDADE DORME (1950)
John Huston foi uma das mais fortes
personalidades de Hollywood durante algumas épocas. Como realizador,
argumentista e actor amealhou dezena e meia de nomeações para Oscars, ganhou
por duas vezes no mesmo filme, “O Tesouro de Sierra Madre”, como argumentista e
realizador. Era o que se pode chamar uma força da natureza, um homem com a
fibra e o arrojo de um Hemingway ou um Welles, deixou uma marca inconfundível
em quase cinco dezenas de títulos por si dirigidos e em mais de uma meia
centena de outros onde aparece como actor. Algumas realizações suas perduram
com uma mensagem simbólica inconfundível: a avidez e a ambição não são boas
conselheiras ou, em palavras mais comezinhas, “quem tudo quer, tudo perde”. “O
Tesouro de Sierra Madre” (1948) é, neste aspecto, paradigmático, mas “Quando a
Cidade Dorme” (1950) não lhe fica atrás. A força destes filmes foi tamanha que
arrastou seguidores. “Um Roubo no Hipódromo”, do então jovem Stanley Kubrick,
parece ter-lhe seguido as peugadas.
“The Asphalt Jungle” conta a história de
um assalto, um dos muitos “hold up” que o cinema foi narrando ao longo da sua
existência, nalguns “heist movie” que ficaram para sempre na memória dos
cinéfilos. Mas este terá sido dos primeiros, e dos mais conseguidos,
funcionando, portanto, como protótipo. Um assalto laboriosamente pensado por Doc
Erwin Riedenschneider (Sam Jaffe) enquanto esteve preso e que procura por em
prática logo que se encontra em liberdade. Mas para levar a efeito este roubo
de joias precisa de alguns cúmplices que o ajudem em tarefas de campo, como
arrombar portas e fechaduras de cofres e organizar a fuga. Riedenschneider é o
cérebro, limita-se a estudar e organizar mentalmente o “projecto”. Outros serão
as suas hábeis mãos e rápidos pés.
Para isso conta, entre outros, com Dix
Handley (Sterling Hayden). Mas necessita igualmente de capital, para o que se
socorre de um (aparentemente) bem instalado Alonzo D. Emmerich (Louis Calhern)
que mascara a sua falência por detrás de um aspecto de perfeito gentleman, e da
sua dengosa amante, uma curvilínea Angela Phinlay (Marilyn Monroe ainda em
inicio de carreira, mas já prometedora). Tudo parece correr segundo os planos,
apesar dos esforços do corrupto Comissário Hardy (John McIntire) para
aparentemente deslindar o golpe, até que tudo se desmorona. Com muito de
parábola bíblica, para se comprovar que o “crime não compensa”.
O mais interessante neste filme, que
valeria a John Huston duas novas nomeações de Oscars para Melhor Realizador e
Melhor Argumentista, aqui de colaboração com Ben Maddow, adaptando ambos um
romance de W.R. Burnett, são seguramente os retratos destes vigaristas sem
sorte, ladrões de joias sem estrelinha, que acabam por deixam fugir por entre
os dedos a fortuna que tinham conseguido arrecadar. Huston é muito dado a
acompanhar o percurso de alguns falhados da vida, que ambicionam mais alto do
que os seus recursos e acabam por pagar por isso. Foi assim em “O Tesouro de
Sierra Madre”, com o pesquisador de ouro que perde toda a sua fortuna deixando
os sacos carregados de pepitas de ouro, resvalar por uma colina abaixo, volta a
ser assim neste “Quando a Cidade Dorme”, onde o talento do cineasta descreve
com invulgar eficiência de meios e rigor os ambientes de um certo bas-fond do
crime. Curiosa igualmente a interdependência de classes em que poderosos e
criminosos e vagabundos se cruzam para (possível) proveito de todos, mostrando
que, também nestes “negócios”, capital e trabalho unem esforços, mas mantendo
distancias e hierarquias. A fotografia, a preto e branco, de Harold Rosson, é
de muito boa qualidade, recriando climas, num claro escuro muito expressivo, e
que se ajusta muito bem às características do “filme negro”. Também a música de
Miklós Rózsa se integra magnificamente no tom do filme (não só se integra, como
o ajuda a definir). Excelentes são ainda as interpretações de um elenco onde
surgem igualmente vários rostos habituais neste género.
QUANDO
A CIDADE DORME
Título
original: The Asphalt Jungle
Realização: John Huston (EUA, 1950); Argumento: Ben Maddow, John Huston, segundo
romance de W.R. Burnett;Produção: Arthur Hornblow Jr, John Huston; Música:
Miklós Rózsa; Fotografia (p/b): Harold Rosson; Montagem: George Boemler;
Direcção artística: Randall Duell, Cedric Gibbons; Decoração: Edwin B. Willis;
Guarda-roupa: Joan Joseff; Maquilhagem: Jack Dawn, Sydney Guilaroff, Lou
LaCava, Elaine Ramsey; Direcção de Produção: Lee Katz; Assistentes de
realização: Jack Greenwood, Frank E. Myers; Departamento de arte: Jack D.
Moore, Frank Wesselhoff; Som: Douglas Shearer, Robert B. Lee; Companhias de
produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) (Loew's Incorporated) (A John Huston
Production); Intérpretes: Sterling
Hayden (Dix Handley), Louis Calhern (Alonzo D. Emmerich), Jean Hagen (Doll
Conovan), James Whitmore (Gus Minissi), Sam Jaffe (Doc Erwin Riedenschneider),
John McIntire (Comissário Hardy), Marc Lawrence (Cobby), Barry (Tenente Ditrich), Anthony Caruso (Louis
Ciavelli), Teresa Celli (Maria Ciavelli), Marilyn Monroe (Angela Phinlay),
William 'Wee Willie' Davis (Timmons), Dorothy Tree (May Emmerich), Brad Dexter
(Bob Brannom), John Maxwell (Dr. Swanson), Mary Anderson, Ray Bennett, David
Bond, Chet Brandenburg, Benny Burt, Harry G. Butcher, Frank Cady, Jean Carter,
Mack Chandler, David Clarke, John Cliff, Harry Cody, Gene Coogan, Henry Corden,
Chuck Courtney, John Crawford, Ralph Dunn, Gene Evans, Pat Flaherty, Alex
Gerry, Sol Gorss, Fred Graham, William Haade, Don Haggerty, Eloise Hardt,
Thomas Browne Henry, Wesley Hopper, George Lynn, Ethel Lyons, Fred Marlow,
Strother Martin, Patricia Miller, Howard M. Mitchell, Ralph Montgomery, Alberto
Morin, Kerry O'Day, Raymond Roe, Henry Rowland, Tim Ryan, James Seay, Jack
Shea, Charles Sherlock, J. Lewis Smith, J.J. Smith, Joseph Darr Smith, Helene
Stanley, Jack Stoney, Ray Teal, Leah Wakefield, Harlan Warde, Jack Warden,
William Washington, Constance Weiler, Judith Wood, Victor Wood, Wilson Wood,
Jeff York, etc. Duração: 112 minutos;
Distribuição em Portugal: Warner (Espanha); Inglês, com legendas em espanhol;
Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 22 de Março de
1951.
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